Eugênio Horácio Grevet,1 Gregory David Zeni,2 Cristian Patrick Zeni3
1 Medico Psiquiatra. Mestre em Ciências Biológicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Doutor em Ciências Médicas: Psiquiatria pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul Pós-Doutor no Programa de Pós-Graduação em Genética e Biologia Molecular da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
2 Acadêmico da Faculdade de Medicina pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul
3 Medico Psiquiatra. Psiquiatra da Infância e Adolescência. Mestre em Psiquiatria pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Doutorando em Psiquiatria pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul TDAH
TDAH
O Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade (TDAH) é uma condição de início na infância, cuja prevalência na idade escolar situa-se entre 5 a 10% em amostras de diversos países. É um dos transtornos mentais mais comuns em crianças e adolescentes e ocorre de três a quatro vezes mais em meninos que em meninas em amostras clínicas. Em adultos, não há diferença na prevalência entre os sexos. É um transtorno crônico, caracterizado por sintomas de desatenção, hiperatividade e impulsividade que causam prejuízo funcional.
A desatenção se traduz em distratibilidade, sonhar acordado, dificuldades para organizar e terminar as atividades, errar por descuido, não ater-se a detalhes, evitar o envolvimento em tarefas que necessitem de esforço mental continuado; a hiperatividade se manifesta na inquietação motora e fala excessiva, na dificuldade em permanecer sentado ou parado, ou fazer atividades de forma calma. A impulsividade é observada na dificuldade em esperar, na interrupção das conversas dos outros.
Devido à heterogeneidade dos quadros de TDAH, o mesmo foi classificado em subtipos: predominantemente desatento,hiperativo/impulsivo e combinado. Este último é o subtipo mais comum em amostras clínicas. Em amostras comunitárias, o subtipo desatento é o mais prevalente.
As causas precisas do TDAH não são conhecidas até o momento, apesar do amplo material de pesquisa disponível. Os modelos atuais indicam uma etiologia multifatorial. As influências hereditárias e ambientais têm sido aceitas na literatura. A herdabilidade do TDAH foi estimada em 0.80, mostrando que os genes possuem uma importante função na etiologia da doença. A hipótese atual é que diversos genes de pequeno tamanho de efeito confiram uma vulnerabilidade biológica ao indivíduo. Essa vulnerabilidade somada a estressores ambientais contribui para o estabelecimento da doença. Dentre os estressores ambientais estudados até o momento, foram investigados fumo e álcool materno na gestação, baixo peso ao nascer, prematuridade, complicações da gravidez ou do parto, entre outros.
A farmacoterapia é parte fundamental do tratamento do TDAH. Os estudos demonstraram que os tratamentos medicamentosos isolados ou combinados com terapia comportamental são mais efetivos que os tratamentos psicossociais isolados. Há mais de 160 estudos demonstrando a efetividade dos estimulantes, que vêm sendo usados há mais de 50 anos. O único estimulante disponível no Brasil é o metilfenidato. O metilfenidato é o estimulante mais utilizado no tratamento do TDAH e estudos evidenciam uma redução estatística e clinicamente significativa dos sintomas do TDAH, assim como melhora do funcionamento em vários outros domínios.
Uma das áreas mais prejudicadas pelos sintomas do TDAH e que se traduz em prejuízo funcional são as funções executivas, que serão detalhadas e explicadas posteriormente. Os prejuízos causados geram importantes custos sociais, desgaste no relacionamento familiar, assim como efeitos negativos na auto-estima dos afetados, que podem ser fator de risco para inúmeros outros problemas de saúde mental como uso abusivo ou dependência de drogas.
Os estudos existentes sobre a evolução do TDAH na adolescência e vida adulta demonstram que os sintomas persistem em pelo menos 70% dos acometidos na adolescência e 50% dos pacientes na idade adulta. Será discorrido nas próximas paginas sobre as alterações do funcionamento neuropsicológico que foram encontradas em crianças, adolescentes e adultos.
TDAH e Funções Executivas
Como referido anteriormente, o TDAH está associado a déficits neuropsicológicos que interferem no funcionamento acadêmico, social e profissional dos indivíduos. Estas alterações estariam ligadas, especialmente, as disfunções executivas. Embora haja diversas definições para funções executivas, a maioria dos investigadores concordaria que estas envolvem a capacidade de inibição, flexibilidade cognitiva, planejamento, organização, uso da memória de trabalho, solução de problemas e manutenção do foco em objetivos futuros. Existem outros modelos que propõem problemas comportamentais e cognitivos associados ao TDAH, que envolvem disfunções na espera, inibição e recompensa, e déficits de linguagem.
Embora alterações da função executiva estejam envolvidas no TDAH, é importante ressaltar que elas não são específicas a este transtorno, sendo também comuns a outros transtornos psiquiátricos. Os estudos que comparam alterações neuropsicológicas entre os transtornos psiquiátricos são escassos e inconclusivos.
Achados de neuroimagem sugerem que áreas cerebrais especificas estejam envolvidas com determinadas funções executivas, fortalecendo o entendimento dos déficits encontrados nos pacientes com TDAH. Estes são:
Achados Neurobiologicos do TDAH
Existem 3 vias da atenção que estão mais esclarecidas.
• A via do controle executivo parece estar ligada a dopamina e tem seu lócus neuroanatômico no giro do cíngulo anterior.
• O mecanismo de orientação parece estar relacionado com a acetilcolina e ter seu lócus neuroanatomico ligado aos lobos parietais posteriores.
• O mecanismo de alerta parece estar ligado a noroepinefrina e tem seu lócus neuroanatomico ligado ao lobo frontal direito.
Estudos de neuroimagem têm dado suporte a hipótese da participação destas áreas. As mais consistentes evidencias de alterações de estruturas cerebrais em crianças com TDAH encontradas foram menores volumes no córtex pré-frontal dorsolateral e regiões que projetam-se para o córtex pré-frontal como o núcleo caudado, pálido, cíngulo anterior e cerebelo. Estudos em adultos também encontraram anormalidades do córtex pré-frontal.
As vias que modulam a atenção estão organizadas como uma alça córtico-estriatal, além de envolver múltiplas conexões cerebrais (através dos efeitos dos neurotransmissores no núcleo caudado do estriado, que tem influencia na atividade do lobo frontal). Corroborando esta possibilidade, lesões em lobo frontal em animais e humanos freqüentemente eram associadas à impulsividade, hiperatividade e distratibilidade.
Os resultados do tratamento, que se da principalmente da ação em vias dopaminérgicas sugerem que estas áreas e vias estejam envolvidas no TDAH. Os modelos animais também corroboram estes achados.
TDAH e Disfunções Executivas
A medida que o TDAH está sendo cada vez mais relacionado como um transtorno do desenvolvimento de vias que se projetam para o CPF, os estudos neuropsicológicos tem sido focados em demonstrar disfunções dessa área e suas conexões.
Há poucos estudos envolvendo crianças pré-escolares com TDAH. Estes demonstraram que quando comparadas com crianças sem o transtorno, as crianças pré-escolares com TDAH apresentaram mais déficits inibitórios, são mais aversivas à espera, pior rendimento em tarefas de vigilância visual ou auditiva, controle motor, memória de trabalho e persistência direta a objetivo, e tarefas de capacidades pré-acadêmicas, incluindo testes de memória, raciocínio e desenvolvimento conceitual.
Existem muitos estudos avaliando crianças com TDAH com 6-12 anos de idade. Embora nem todos os estudos demonstrem resultados positivos, estes na sua totalidade demonstraram que as crianças com TDAH como grupo apresentam um desempenho relativamente pior em tarefas de vigília, aprendizagem verbal, memória de trabalho, e em funções executivas como flexibilidade cognitiva, planejamento e organização, resolução de problemas complexos e inibição de resposta.
Amostras de crianças e controles mostraram que ambos os grupos apresentam melhora no desempenho durante a adolescência, entretanto o déficit entre os grupos permanece significativo. Este prejuízo aliado a presença de anormalidades cerebrais relativamente estabilizadas em crianças de 4-18 anos apóiam a idéia de que estas alterações estarão presentes em adultos com TDAH.
Os testes que mais diferenciaram adultos com TDAH e controles foram o CPT, Stroop, Trilhas, Fluência Verbal e o WAIS. Uma meta-análise sobre performance neuropsicológica de pacientes adultos com TDAH incluiu 24 estudos e categorizou 50 testes neuropsicológicos padronizados em 10 domínios com o objetivo de descrever a qualidade e a extensão dos déficits cognitivos dos pacientes com TDAH. Em oito dos dez domínios avaliados os pacientes com TDAH apresentaram déficits no desempenho neuropsicológico quando comparados a controles. Os prejuízos mais marcados foram encontrados na memória verbal, focalização da atenção, sustentação da atenção e na resolução de problemas abstratos que requerem memória de trabalho.
Disfunções cognitivas, especificamente, também têm sido associadas ao TDAH tanto em crianças, como em adultos. Uma ampla revisão inclui estudos sobre o QI em pacientes com TDAH em diferentes idades, demonstra que o QI total estimado é geralmente mais baixo em pacientes com TDAH do que em controles, tanto em crianças como em adultos.
Pode haver diferenças entre subtipos de TDAH no funcionamento neuropsicológico. Inicialmente foi suposto que somente os subtipos combinado e hiperativo apresentariam déficits no funcionamento executivo. Os resultados são controversos já que há estudos demonstrando que não se encontram diferenças entre os grupos, bem como há outros em crianças e adolescentes demonstrando pior desempenho neuropsicológico nos subtipos combinado e desatento quando comparadas a controles.
Adolescentes com TDAH combinados apresentaram maiores déficits na medida de função executiva (Wisconsin Card-Sorting Test) enquanto os desatentos mostraram prejuízos na medida de atenção seletiva (Stroop Test). Com base no padrão geral de resultados, os autores sugeriram que o subtipo combinado apresentaria um comprometimento cognitivo mais abrangente do que os subtipos desatento e hiperativo.
Em adultos, Gansler et al verificaram que os indivíduos do subtipo hiperativo apresentam déficits no funcionamento executivo (Wisconsin Card-Sorting Test) enquanto os desatentos demonstram prejuízo na memória de trabalho (Auditory Consonant Trigrams). Quanto ao QI estimado, não foram encontradas diferenças significativas entre os subtipos.
Os resultados encontrados parecem apontar que não há diferença no funcionamento neuropsicológico entre crianças e adultos com TDAH. Em geral, apresentam padrões semelhantes ao obterem pior desempenho em funções executivas e cognitivas.
TDAH e Declinio Cognitivo
Algumas doenças neurodegenerativas que envolvem prejuízos na função neuropsicológica poderiam estar relacionadas com o TDAH.
Assim como o TDAH, podemos dizer que de uma forma geral, demência é uma síndrome que caracteriza-se por múltiplos déficits cognitivos. Há comprometimento da memória e pelo menos uma das seguintes perturbações: afasia, apraxia, agnosia ou uma perturbação do funcionamento executivo.
Estas alterações neuropsicológicas e neurobiológicas nos fazem pensar que possa existir algum tipo de relação entre os transtornos. Entretanto, não é clara a associação e a relação entre o quadro de TDAH, iniciado na infância, e o quadro demencial, de início tipicamente na vida adulta. Para avaliar se existiam estudos científicos abordando os dois quadros, foi realizada uma busca no MedLine e PsycInfo em estudos em língua inglesa, portuguesa e espanhola. Abordando os artigos publicados nos últimos vinte anos, observa-se que nenhum dos artigos encontrados aborda diretamente o tema.
Devido a escassez de estudos, até o momento pode-se chegar a poucas conclusões. Provavelmente, existem poucos estudos sobre o tema porque as coortes das crianças e adolescentes com TDAH dificilmente os acompanha até após os 40 anos, assim como os estudos com pacientes demenciados apresentam muitas dificuldades para levantar características pré-mórbidas precoces como o funcionamento na infância (seja por ausência de informantes ou por todos os vieses de recall de tais estudos retrospectivos).
TDAH e Esclerose Lateral Amiotrófica
Esclerose Lateral Amiotrófica é uma doença degenerativa progressiva caracterizada por perda do neurônio motor, mais comumente diagnosticada por volta dos 60 anos de idade.
A presença de aumentada atividade física e psicológica e grande disfunção não progressiva do córtex pré-frontal com prejuízo no controle executivo e diminuição da atenção sugerem que pode haver alguma associação entre ELA e TDAH.
Em indivíduos hígidos a dopamina inibe a presença de glutamato no córtex cerebral. Pacientes com ELA apresentam defeitos no sistema dopaminérgico. Nestes indivíduos, a exposição de dopamina reduzida em algumas áreas corticais leva a um aumento nos níveis glutamatérgicos. Existem evidências mostrando que tanto pacientes com TDAH como os pacientes com ELA apresentam hipofunção dopaminérgica e hiperatividade glutamatérgica.
A diminuição da inibição cortical contribui para o mecanismo patogênico da ELA, sendo que estes pacientes apresentam disfunção frontal e características similares ao TDAH como desatenção, déficits de memória e na fluência verbal e não-verbal. Pacientes com ELA também apresentam prejuízo em interação social e empatia, que também podem estar associados com a disfunção frontal. O prejuízo na atenção destes pacientes foi confirmado através de estímulos auditivos em EEG.
Devido a essas semelhanças, podemos imaginar que muitos pacientes com ELA poderiam ter apresentado TDAH durante a vida, não sendo diagnosticados, visto que a padronização de critérios diagnósticos em TDAH foi feita apenas nas últimas décadas, posteriormente a infância destes pacientes.
Conclusões
Os resultados encontrados parecem apontar que não há diferença no funcionamento neuropsicológico entre crianças e adultos com TDAH. Em geral, apresentam padrões semelhantes ao apresentarem piores performances nos testes que avaliam as funções executivas e cognitivas.
Também não existem diferenças nos achados de neuroimagem encontrados visto que em ambos há envolvimento preponderante do córtex pré-frontal, associado a hipofunção dopaminérgica.
A grande maioria dos estudos comparando as diferenças do TDAH em diferentes faixas etárias e suas implicações neuropsicológicas são transversais Uma maior compreensão desse processo poderia ser elucidada se houvessem estudos longitudinais.
Praticamente inexistem estudos associando o TDAH a doenças neurodegenerativas, como as síndromes demenciais e a Esclerose Lateral Amiotrófica. A predisposição do TDAH a estas patologias deveria ser investigada, visto que apresentam alterações neurobiológicas e neuropsicológicas em comum.
São necessários novos estudos, principalmente com enfoque nos aspectos neuropsicológicos e neurobiológicos das duas condições, para que a relação entre os prevalentes e incapacitantes transtornos seja melhor compreendida, e finalmente, tratada.
REFERÊNCIAS
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